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terça-feira, 5 de julho de 2011

Museu Imaginário

Na faculdade descobrimos coisas novas, que no interior de nossos mundinhos iríamos levar muito ou algum tempo pra descobrirmos que existe. Foi em um dos trabalhos da universidade que descobri que existia o "MUSEU DA PESSOA" que nada mais é que o acervo histórico-pessoal de nossas vidas; imagens e fatos marcantes registrados em memórias que nunca sairão de nossa massa cinzenta por que já fazem parte de nosso ser e estão entranhados em nossa alma!
Na ocasião do trabalho, trouxe a tona memórias de uma tragédia que assolou minha cidade natal; Pedro Osóri
o, e que permaneceu em minhas lembranças, desde meus sete anos de idade, como um fato marcante!
A história de Pedro Osório está marcada por duas grandes catástrofes naturais, ambas resgistradas em livro e na memória de seus habitantes, isto sem contar as pequenas cheias que assolam constantemente os moradores ribeirinhos ao sereno-assustador Rio Piratini!

Em Abril de 1959 houve a "Rebelião das Águas" , como registrou o Frei Cristóvão de Vacaria em seu livro, cujo título é esse sugestivo tema que escrevi entre aspas e que nos dá a ideia do tamanho da tragédia que ocorrera na época. Trinta e três anos após o fato ocorrido, o Rio Piratini; silenciosamente, arma outra emboscada para a população pedrosoriense.Desta vez, sendo eu, uma das tantas protagonistas dessa triste história:


Era Abril de 1992...





Minha mãe havia comprado preparo para sorvetes de vários sabores e colocou na geladeira pra comermos no dia seguinte, estávamos alegres mas, na mesma noite daquele dia, recebemos o aviso de juntar ás pressas nossas coisas pois as comportas existentes num determinado local do Rio Piratini estavam por serem abertas devido a grande quantidade de água que ela não suportava mais conter...Juntamos nossas coisas a luz de velas e fomos para casa de minha tia Neli (irmã de meu pai) que ficava há meia quadra de minha casa, já numa rua um pouco mais alta.
Meus pais pensavam que a enchente seria pequena, pois aproximadamente em 1983, eles presenciaram uma pequena cheia do Rio Piratini, meu irmão era pequeno e a água deu em torno de meio metro na parede de nossa casa. Então, nessa enchente de 1992, apenas erguemos nossas coisas, meu irmão deixou sua bicicleta nova “barra forte” dentro de casa, fechou a porta...Minha mãe lembrou do BIG, nosso cachorro amarrado n
a coleira nos fundos do pátio e foi buscá-lo, quando ela foi sair do pátio, tentou fechar o portão com corrente e cadeado, nesse exato momento ouviu um estrondo como de uma onda nos molhes da praia. Fechou o cadeado e viu a água dobrar a esquina como uma corredeira e, quando tentou pegar o Big sua corrente se prendeu no portão em questão de milésimos de segundos a água já estava em seus pés...tirou a coleira do cachorro e já saiu com água quase pela cintura, um susto por amor ao mascote de nossa infância um cachorro que já estava há quase 14 anos conosco.
Eu, criança, adorava tomar banho de rio, gritava e pulava ao saber que o arroio estava no pátio de minha casa...Não tinha noção do que realmente estava acontecendo. Acho, que no dia seguinte a esta noite o rio baixou... Fui até minha casa e só vi lodo, muitas cobras mortas, fantasias de carnaval nas bergamoteiras , bancos e lenhas que meu pai cortou nos galhos das árvores dos vizinhos...a porta de minha casa foi
arrancada e a bicicleta de meu irmão ficou atravessada na porta e água não conseguiu levá-la, as xícaras e louças de minha mãe no armário boiaram dentro dele e não quebraram, nosso sorvete na geladeira virou lodo, o muro lateral de nossa casa caiu e na garagem de meu pai um cachorro salvou-se em cima das tábuas de andaimes de construção que provavelmente boiaram com ele.Vi durante semanas, meus pais limparem barro e ao secar os móveis o barro brotava e novamente eles lavavam.
Nessa enchente minha mãe quase morreu ... Ficando um lado paralisado do corpo, lembro-me que estávamos no fundo de casa lavando coisas embarradas quando ela quase caiu e meu pai carregou ela no colo pra levar pro médico.
Do resto não lembro de mais nada, a cidade não vi pois era criança e ficava no pátio de casa em volta de meus pa
is... Lembro-me com carinho das primas de minha mãe Cica e Sandia vindas de Pelotas com um saco de roupas e uma deliciosa caixa de bombons pra salvar uma páscoa perdida no lodo das águas... Nunca mais comi chocolate com aquele gosto, um gosto indescritível de prazer em meio a amargura da perda de tantos bens sentimentais, como as panelinhas de tampa de garrafão de vinho que meu falecido amigo e vizinho Oscar("A fofa" -como eu o chamava em resposta ao mesmo apelido que ele me dava) juntava pra mim brincar em minha casinha de faz-de-conta!
Só quem viveu sabe do que estou falando, e do valor que se agrega as pequenas coisas que perdemos em meio a ocorridos assim! O que nos consola, hoje entendo, é a vida que se preservou em troca dessas quinquilharias!
Lembro-me do vizinho da esquina, o pai da Elenita, seu Edemar que ficou na laje da cozinha de sua casa e foi salvo
por um barco... Do casal de idosos que moravam quase na beira dos trilhos e ficaram no forro de casa e com medo da água tiraram as telhas pra subir no telhado... do cachorrinho desconhecido que foi levado pela correnteza e que ningém conseguiu salvá-lo enquanto assistíamos ao espetáculo das águas da esquina de minha casa. Enfim, histórias reais vividas por mim e por inúmeros moradores de uma guerra, rebelião ou simplismente protesto de um rio clamando por maior atenção de seus conterrâneos!
















A enchente de 1992, também foi publicada em livro, pelo escritor Manoel Luiz Magalhães, com o título de " Guerra Silenciosa", um registro em forma de crônica; de um conterrâneo que, assim como eu, também foi vítima dessa guerra da Natureza X Homem, que não tem nada de irônico além do preço que todos nós pagamos ao mexer no curso natural das coisas.




O livro do Frei, da enchente de 1959, trata o ocorrido como providência divina, devido a evasão dos fiéis da igreja católica. Uma "Rebelião das Águas" provocada por Deus para mostrar aos fiéis a força divina diante da promiscuidade humana.













Foto de Carlos Aires




Agradeço ao escritor Manoel Magalhães por sua gentileza e grande contribuição em minha singela pesquisa( obrigadão!!!!);



Aos professores por terem plantado essa "sementinha" instigante ao mundo da pesquisa;



In menorian, agradeço a Cleonice Ramalho que em vida ofertou o livro "Rebelião das Águas" a minha mãe, quando eu ainda era muito menina, mas que hoje me foi de grande valia!



Ao Prof. Leandro Betemps por sua atenção!



Ao Grande fotógrafo pedrosoriense Carlos Aires por sua atenção e por uma de suas fotos ilustrando a cheia do rio;



E claro, a tutora Daina por seu favorzinho prestado que me foi de grande valia (muito obrigada!);



MUITÍSSIMO OBRIGADA A TODOS!!!!!
























































2 comentários:

Andréia Colbeich disse...

muito emocionante esta história da enchente,deve ter sido bem difícil,mas são lembranças que francamente lembramos por toda a nossa vida.

Jucilene B. Pereira. disse...

É verdade, tinha sete anos e lembro como se fosse hoje todas aquelas sensações!

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